sexta-feira, 28 de maio de 2010

Guinevere

Agora ela não era mais escrava. Quando as algemas foram tiradas, saiu em disparada sem olhar para trás. Correu. Desvairada e sorridente. Ria um riso alto solto que subia aos céus.

Então, também podia sonhar, tudo aquilo que guardava tão sofregamente no coração.

Gargalhava ensandecida; deixava a torre que a prendia e seguia pela trilha de terra dura e úmida por entre o mato - aquela relva fresca ainda tão verde – e nem sabia para onde o caminho a levaria.


Ao longe.


Tudo podia ser. Quase não restavam mais amarras, que a continham em pulso firme. Ria-se de tudo, da própria Fortuna de outrora, dos olhos sisudos que a controlavam; ria também do medo que tinha do juiz de suas ditas, aquele feroz que a vigiava incessante até quando dormia ou sonhava, acordada, as paixões de uma vida.
Ria largamente da existência que deixava. De conta certa, deu as costas ao passado e sorria convidativa para o novo, esse estranho.


Estranho.


Caminhou mais calmamente numa alegria amena ao pensar nesse desconhecido que acabara de chegar, esse novo algo, quem sabe o que. E continha as linhas da face e a fenda nos lábios. Num som quase mudo, sorria em campo aberto.

E tremeu diante do rio a sua frente e riu um riso nervoso de um mundo novo.


Dilema.


Já não fechava mais os olhos e, estática, amedrontava-se a obsessiva donzela. Tudo diferente, incerto, não-sabido, não-permitido. Vida aberta, mata adentro, rio afora, tudo muito profundo e irreconhecível; tão diverso das paredes de pedras geladas e escuras que costumavam conservá-la, guardá-la em sua servidão hipnótica.

Liberta, não sabia o que fazer, presa, já conhecia os descaminhos.

Olhou ao redor para a sua liberdade e não sabia o que possuir, o que ser ou o querer. Já não tinha sonhos; podia fazê-los e não os sabia mais.


Nada em que prender-se.


Girou a cabeça e, com os olhos na direção do firmamento, empalideceu; parecia que aquele imponente azul cairia sobre ela, sobre seus pensamentos. Novos olhos inquisidores a observavam, ou os velhos olhos em um novo mundo.

Diante da culpa que cingia sua alva roupa num rubi luxuriante, havia que decidir. Seus olhos já não eram celestes, cobriam-se dos véus mundanos. Mas ainda assim um rosário torneava-lhe a direita mão.


Desvelo.


Não restavam incertezas, era só uma a escolha.

Olhou para o rio escuro e caudaloso, olhou para a cela na penumbra mortalmente calma.

Era sofrer no eterno ou no interno.


Respirou profundamente, decidiu o seu destino e correu.






Roberta Domingues 13/03/08

Um comentário:

  1. Espero que ela tenha escolhido o incerto ao certo. É melhor ser escrava de suas escolhas, a ser submetida as escolhas alheias. Bjim flor.

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